sexta-feira, 31 de maio de 2013

Representação dos seres e Fatos

      Não há como presenciarmos todos os fatos que acontecem com todos os seres do mundo. Grande parte da história da humanidade chega as nós por meio de mensagens que expressam o mundo. Tais mensagens fazem uso da linguagem verbal e da linguagem não-verbal.

MENSAGENS NÃO-VERBAIS
      Ao observarmos as duas ilustrações que seguem, loga á primeira vista, notamos a semelhança entre as mensagens, ambas não-verbais, tratam do mesmo assunto: a migração. No entanto, ao compararmos as duas notamos grandes diferenças:


                                                                                           
http://www.rua.ufscar.br/site/?p=414


A paisagem, as pessoas e os animais que aparecem na primeira mensagem (foto) já existiam antes da fotografia ser tirada. Isto é, o fotógrafo registrou um fato real, produzindo uma mensagem DENOTATIVA da realidade, na qual predomina a OBJETIVIDADE.

    



"Família de Retirantes", Cândido Portinari





A paisagem e os elementos humanos que aparecem na segunda mensagem (quadro de Portinari) não existiam antes de esse quadro ser pintado. Ou seja, o pintor CRIOU UMA NOVA REALIDADE, produzindo uma mensagem CONOTATIVA, NA QUAL PREDOMINA A subjetividade, a visão que o artista teve sobre este tema.





      
O quadro abaixo faz um breve resumo comparativo de elementos das duas mensagens: 


MENSAGEM A
MENSAGEM B
Fato
Migração
Migração
Linguagem utilizada para expressar o fato
Não-verbal
Não-verbal
Função da Linguagem predominante na mensagem
Referencial
Poética
Objetivo do emissor
Informar
Provocar emoção
Ponto de vista do emissor
Objetivo
Subjetivo
Elementos humanos
Pessoas
Personagens
Paisagem ao fundo da mensagem
Real
Inventada, Ficção



MENSAGENS VERBAIS
      Ainda sobre o mesmo tema: a migração, vamos, agora, comparar duas mensagens verbais:

TEXTO 1: 

      “No lombo da jumenta Branquinha estão empilhados os pertences da família: duas panelas pretas, três pratos, três colheres, três copos, uma moringa e uma esteira. Há ainda um rádio, com defeito, que ora vai no lombo da jumenta, ora na mão de Zenaide ou João Honorato do Nascimento. Isso mais a roupa do corpo, é tudo que o casal possui. Na semana passada, Zenaide e João Honorato, ambos com 30 anos, mais a filha Cícera, ou ‘Ciça’, de 11, estavam na estrada. Depois de juntar tudo o que tinham, atrelar a jumenta e chamar a cachorra Jaqueline, eles deixaram sua cidade natal de Iguatu, no Ceará, e se puseram a caminho na escaldante BR-020, com direção a Canindé, 230 quilômetros ao norte...”
(Revista Veja. 17 ago. 1983. p. 56)



TEXTO 2: 

      “A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
      – Anda, excomungado.
      O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
      Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
      Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores.
      Sinhá Vitória esticou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
      E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande.
      Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.”
(RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 16 ed. São Paulo. Martins, 1967. P. 8-9)
    

      O TEXTO 1 é um trecho de uma reportagem da Revista Veja, portanto, trata-se de um relato, um fato real. Já o segundo, TEXTO 2, é um fragmento do famoso romance de Graciliano Ramos, "Vidas Secas", ou seja, uma narrativa, uma ficção. 
      A seguir, um quadro comparando os principais elementos das dias mensagens, dos dois textos:


TEXTO 1
Fato
Migração
Código utilizado para representar o fato
Língua Portuguesa
Função predominante da linguagem
Referencial
Objetivo do emissor
Informar o leitor
Ponto de vista do emissor
Objetivo: o emissor relata fatos que presenciou ou de que tomou conhecimento
Ambiente descrito
Real
Elementos humanos
Pessoas que realmente existem ou existiram
Palavras em sentido CONOTATIVO
NÃO HÁ

TEXTO 2
Fato
Migração
Código utilizado para representar o fato
Língua Portuguesa
Função predominante da linguagem
Poética
Objetivo do emissor
Informar e sobretudo provocar emoção no leitor
Ponto de vista do emissor
Subjetivo: o emissor revela pensamentos e emoções das personagens
Ambiente descrito
Inventado pelo escritor
Elementos humanos
Pessoas que não existiram, nem existem de verdade
Palavras em sentido CONOTATIVO
“vermelho indeciso”, “vôo negro”, “coração grosso

(FARACO & MOURA, "Lingua e Literatura". Ed. Ática, 1995)





                                                                                 

Conceito de Texto Literário e Não-literário

TEXTO A

"Uma coisa é escrever como poeta, outra como historiador: o poeta pode contar ou cantar coisas não como foram, mas como deveriam ter sido, enquanto o historiador deve relatá-las não como deveriam ter sido mas como foram, sem acrescentar ou subtrair da verdade o que quer que seja."
Miguel de Cervantes





TEXTO B
"Eu já escrevi em conto azul, vários até. Mas este é um conto de todas as cores. Porque era uma vez um menino azul, uma menina verde, um negrinho dourado e um cachorro com todos os tons e entretons do arco-iris.

Até que apareceu uma Comissão de Doutores - os quais, por mais que esfregassem os nossos quatro amigos, viram que não adiantava. E perguntaram se aquilo era de nascença ou se...
_ Mas nós não nascemos - interrompeu o cachorro - Nós fomos inventados."
Mário Quintana

      A leitura dos textos acima, nos permite esclarecer a diferença fundamental entre um texto literário e um texto não-literário.
      O que Miguel de Cervantes afirma sobre o poeta (TEXTO A), vale também para o romancista, o contista, o novelista, o cineasta, enfim, para qualquer artista que tem  a "liberdade" para criar , inventar, reinventar a realidade. Ou seja, ele não tem compromisso de prender-se à realidade concreta.
      Já o que o autor diz a respeito do historiador (TEXTO B), vale também para o cientista, o jornalista, o pesquisador, que trabalham com fatos reais, documentados, fatos que envolvem pessoas que moram em determinado lugar, que sofrem, amam etc.  
 (FARACO & MOURA, Língua e Literatura. Ed.Ática, 1995.)

Literatura e História da Literatura

"Se não fosse a Literatura - poesia, ficção - nada saberíamos do mistério individual dos outros, do seu mundo interior, da multiplicidade psicológica da homem. O terreno da Literatura é (...) aquela parte dos outros, ou de nós mesmos, que só pode ser conhecida através da confidência."
Augusto Meyer